Dicionário crítico da « mundialização »
GERM (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre as Mundializações, Paris, www.mondialisations.org)
Turismo internacional
Um bilhão de turistas internacionais em 2010 ! Parece um dado razoável ? Quatro constatações nos levam à dúvida. A primeira se refere à amplitude do fenômeno : com um crescimento anual médio de 6,5% desde 1950, o setor registrou em 2006 cerca de 850 milhões de viagens com destino ao exterior das fronteiras francesas, contra 200 milhões em 1975. Segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT), o número de « migrantes de lazer » provavelmente dobrará nos próximos quinze anos, após ter quadruplicado nos últimos trinta. A evolução das receitas financeiras segue a mesma tendência : 300 bilhões de dólares em 1990, 700 bilhões em 2005. Primeiro lugar do comércio internacional, o turismo continua a crescer 1,3 vezes mais rapidamente do que o produto mundial bruto, constituindo um décimo do mesmo. Pelo crescimento de seus fluxos e o desenvolvimento de suas técnicas de comercialização à distância ; pelo caráter polifuncional, global e reticular de sua indústria ; pela mobilidade de seus clientes e de seus capitais, a atividade turística se impõe como um dos pilares mais poderosos da globalização, assumindo um papel decisivo na evolução da economia internacional.
A segunda constatação é um paradoxo. Se a explosão do turismo repousa essencialmente sobre a democratização em meio às classes médias dos países ricos, sua internacionalização atesta, por outro lado, o seu caráter desigual. Relativamente acessível no âmbito dos países ricos (para 60% da população), a viagem de lazer permanece inacessível para os demais (80% a 99% das populações não usufruem da mesma, variando segundo o país). Apesar de evidentemente expandido, o turismo é ainda exclusividade de privilegiados : apenas um sétimo da humanidade está em posição econômica, cultural e política de visitar os outros seis sétimos. Neste ponto, constitue um reflexo bem fiel da organização do planeta e de suas disparidades. Os fluxos migratórios, sejam eles voluntários ou compulsórios, cruzam as fronteiras e as opiniões, deparando-se com portas abertas ou rígidas grades, nos quatro cantos do mundo.
A observação seguinte reside no efeito em cascata da massificação, o « bom turista » evitando sempre o « mal turista », que acaba por imitá-lo. O primeiro procura a calma ou novas experiências, o segundo frequenta os períodos e os locais de pico. Estratificado socialmente e culturalmente, o mundo dos turistas não escapa à questão da diferenciação, em resposta à qual se engendra a diversificação da oferta, quando não é esta quem toma a iniciativa de « descobrir » veredas nunca antes desbravadas ou de colocar no mercado produtos mais « exóticos », mais « inéditos », mais « memoráveis ». A preocupação com a distinção opera em todas as direções, movida às vezes pela ilusão de tirar as práticas turísticas das relações comerciais, motivada sempre pela necessidade de não ser confundido com o « turista-preguiça » ou com o « bronzeado idiota ». Segundo o perfil dos clientes, mais ou menos preparados para as diferenças culturais, o agente de viagens deverá em dados momentos dissimular, em outros sublinhar o simulacro da imersão em terras estrangeiras ; garantir ou simplificar a « autenticidade » a ser visitada ; e adaptar tal relato à realidade, ou ainda adaptar a própria realidade nas situações em que a população local – a decoração humana – é convidada a forçar ou, ao contrário, a suavizar suas asperidades exóticas, atraentes ou dissuasivas.
A última constatação decepcionará os proclamadores, dentre os quais se destaca a OMT, do turismo como « motor de desenvolvimento ». Se o setor tornou-se efetivamente a primeira fonte de divisas para um terço dos países « em desenvolvimento », a repartição de seus lucros e o seu impacto sobre as realidades sociais, culturais e ambientais, contudo, acentuam objetivamente as desigualdades e agravam os desequilíbrios. Mais que outrora, em razão da integração crescente das atividades nas mãos de um punhado de operadores do turismo transnacionais, o essencial dos fluxos financeiros do setor escapa às populações autóctones. Os empregos criados, sobretudo precários ou sazonais, não são suficientes para compensar os múltiplos prejuízos colaterais : pressões inflacionárias, degradação dos ecossistemas, folclorização das sociedades, consumo dos costumes... Mais fundamentalmente, é a própria expansão da « ordem turística » atual que se encontra em discussão. Intimamente ligada à globalização neoliberal, a explosão do turismo participa ou se beneficia, nas suas orientações principais, dessa mercantilização generalizada dos lugares e dos comportamentos, dessas políticas de abertura das fronteiras ao comércio global e da privatização dos bens públicos.
Uma grande variedade de associações e de redes de organizações compartilha tais constatações críticas e faz das mesmas a razão de sua mobilização pela promoção de experiências turísticas respeitosas das populações e do meio-ambiente. É necessário reconhecer, no entanto, que a tendência, além de não pesar verdadeiramente sobre as orientações do turismo mundial, deve enfrentar seus próprios limites : o elitismo, o necessário ajuste às regras do setor, o próprio rendimento comercial... Em que condições, então, a expansão turística poderia induzir a uma outra coisa que não uma « nova utilização ocidental do mundo » ? A resposta reside inicialmente na capacidade de canalização das quais os Estados devem ou deveriam ser dotados, bem como na implicação das populações envolvidas na definição de projetos e na partilha dos benefícios. Sob a égide de organizações internacionais democráticas e de aparelhos de regulação negociados e coercitivos, políticas coordenadas poderiam contribuir à derrocada da atual relação custo/benefício do setor. E, por conseguinte, concorreriam para fazê-lo participar efetivamente do desenvolvimento dos países do Sul.
(Sobre a mesma problemática ou temas conexos, recomendamos o seguinte artigo, do mesmo autor : Expansion du tourisme international : gagnants et perdants (« Expansão do turismo internacional : ganhadores e perdedores »).)
Tradução por : Isabel Meunier